Especialistas discutem se luta deve ser considerada modalidade esportiva

Reportagem do Geração JC esclarece sobre artes marciais e o MMA

Leia a seguir reportagem publicada na revista Geração JC nº 87.

Diante da popularização midiática das artes marciais, algumas perguntas surgem para o cristão: São essas práticas sãs ou pagãs? São violência ou esporte? E elas podem ser usadas como ferramenta sadia ou não de evangelização?

Sobre a origem dessas práticas, como lembra o Instituto Brasileiro de Artes Marciais, as artes marciais confundem-se com o desenvolvimento da civilização, já que se fundamentam no princípio e instinto básicos da legítima defesa. Historicamente, admite-se, baseado em escavações arqueológicas, que o Kung Fu, por exemplo, já existia na China há mais de 5 mil anos. Recentes descobertas arqueológicas também mostram guardas pessoais na Mesopotâmia praticando técnicas de defesa e de imobilização de agressores.

A maioria dessas práticas surgiu e foi difundida por seitas orientais, tendo seus princípios intimamente ligados a religiões como o Budismo e o Taoísmo, que se baseia em um sistema politeísta e filosófico de crenças que assimilam os antigos elementos místicos e enigmáticos da religião popular chinesa, como culto aos ancestrais, rituais de exorcismo, alquimia e magia. Portanto, uma vez que o cristão esteja envolvido com conceitos religiosos e filosóficos orientais em seu treinamento de artes marciais, não convém a ele participar dessas práticas. Porém, por outro lado, no Ocidente, especialmente no contexto moderno, a maioria das práticas marciais está observando apenas a luta e a defesa pessoal em si mesmas, retirando todo caráter religioso. Mas, sempre é bom estar atento, porque sempre há um ou outro grupo que enfatize doutrinas pagãs no treinamento marcial.

MMA

No inglês “Mixed Martial Arts”, em português “Artes Marciais Mistas”, o MMA é uma modalidade que inclui tanto golpes de luta em pé quanto técnicas de luta no chão. Como o Livro de Eclesiastes falou muito bem, não há nada novo debaixo dos céus (Ec 1.9). E se você acha que o MMA foge a essa regra, saiba que esse mix de artes marciais surgiu na Grécia, por volta de 648 d.C. Claro que a versão moderna se baseou em outros movimentos culturais mais recentes, como o “vale-tudo” no Brasil e o “shoot wrestling” japonês.

É verdade que sua popularidade mundial, no entanto, é mais recente. Começou nos Estados Unidos em 1993, quando Rorion Gracie e outros sócios criaram o primeiro torneio de UFC (Ultimate Fighting Championship). Dois anos depois, o torneio foi vendido por 2 milhões de dólares e, atualmente, a marca UFC vale mais de 1 bilhão de dólares.

Conhecido como “vale-tudo”, essa luta era banida em muitos estados norte-americanos e em vários países, devido à sua violência, porém foi recentemente reformulada para ser aceita e hoje já ganha tanto a atenção mundial que até poderá fazer parte do programa olímpico. Segundo informações do jornal “O Estado de S. Paulo”, Lorenzo Fertitta, um dos donos do UFC, trabalha nos bastidores para incluir a modalidade nas Olimpíadas.

Mas, afinal, o que atrai tanto no MMA?

Sem sombra de dúvida, o seu aspecto mais violento. As pessoas não são atraídas para assistir a essas lutas pelo “talento” e “superação” de seus oponentes, ou pela, digamos, “beleza de um golpe”, mas pelo prazer carnal de ver uma briga, e principalmente uma briga muito violenta como ela é. É o mesmo prazer que, séculos atrás, lotava o Coliseu de Roma e levava o público ao êxtase ao ver os gladiadores se ferirem (e, em muitos casos, até se matarem).

“O MMA é a volta das lutas medievais com uma nova roupagem. Vence quem conseguir bater no adversário até acabar com todas as possibilidades de ele se defender”, ressalta o pastor e escritor Ciro Sanches Zibordi, co-pastor da Assembleia de Deus em Cordovil, Rio de Janeiro (RJ). Ele lembra ainda que, devido à maldade no ser humano, as pessoas se agradam em ver cenas violentas, por isso essa modalidade está tão popular. “O que causa espanto é ver cristãos apoiando essa modalidade de luta. Isso mostra que o cristianismo que muitos têm abraçado é um ‘outro evangelho’, divorciado dos mandamentos e princípios da Palavra de Deus”, enfatiza pastor Ciro, que escreve contundentemente contra essa prática em seu blog. “Quem, de fato, tem a Bíblia como a sua regra de fé e prática não consegue ver com bons olhos pessoas ensanguentadas se esmurrando ao som de palavrões e xingamentos”, lembra.

Os riscos para a saúde

O professor de Educação Física Leandro Paiva, em seu artigo “Consequência do Nocaute”, publicado na publicação eletrônica “fisiculturismo.com.br”, em junho de 2010, escreveu alertando sobre os riscos reais para a saúde de quem participa de competições de MMA. Diz Paiva:

“Como telespectador e fã de Boxe e MMA, além das finalizações (MMA), não há nada mais empolgante do que assistir ao fim do tempo regulamentar do combate por nocaute. Apesar de ser algo quase hipnótico e querermos visualizar em minúcias o desfalecimento momentâneo do outro lutador, um trauma na cabeça mais grave ou a sucessão deles em níveis variados pode trazer consequências devastadoras ao atleta. […] Em modalidades como o Boxe, na qual a probabilidade de lesões no cérebro são maiores comparadas às do MMA, por exemplo, sempre existe o risco de traumas na cabeça e lesões no cérebro. […] O MMA e o Boxe são esportes em que ferir um oponente é um objetivo explícito, atingindo e danificando o cérebro, por nocaute (MMA ou Boxe), ou lesionando articulações e ligamentos (no caso das finalizações ‘articulares’ realizadas no MMA). Esse fato inequívoco conduziu a uma reviravolta e à mobilização de diversas associações médicas, solicitando a abolição do Boxe e, posteriormente, do MMA (principalmente nos Estados Unidos). Hoje, por intermédio das comissões atléticas que sancionam os dois esportes nos EUA, foram decretadas regras de saúde rigorosas, objetivando manter a integridade dos atletas. Dentre as principais, estão: realização de ressonância magnética (anual e, porventura, antes de algum combate caso seja solicitado); proibição de participação por período determinado em um próximo combate para aqueles que perderam seis vezes consecutivas (independentemente do modo como perdeu) ou em três lutas consecutivas (se a perda foi por nocaute ou nocaute técnico). […] Essas medidas foram muito importantes para minimizar os problemas associados a golpes na cabeça e possíveis implicações diretas à saúde dos atletas. Todavia, não resolve em definitivo o principal desafio, que é quando a lesão se torna crônica, já instaurada. A preocupação da comunidade científica agora é de encontrar marcadores pré-clínicos, para tentar identificar sinais de lesão antes de o lutador apresentar sintomas permanentes. Assim, poderia até ser recomendado previamente que interrompa a carreira antes de um acontecimento trágico, como a morte, por exemplo”.

Ou seja, hoje, os riscos foram diminuídos, mas as sequelas para quem pratica esse tipo de competição ainda são muito preocupantes. Basta lembrar que já houve quatro mortes em lutas de MMA desde que esse esporte foi aprovado: o primeiro a morrer foi Douglas Dedge, em 1998, em uma luta na Ucrânia; o segundo foi um rapaz chamado Lee, na Coreia do Sul, em 2005; o terceiro foi Sam Vasquez, em 20 de outubro de 2007, ao ser nocauteado no Toyota Center, no Texas (EUA), por Vince Libardi; e, por fim, Michael Kirkham, em 28 de junho de 2010, na sua luta de estreia na Carolina do Sul. Todos esses lutadores tinham entre 30 e 35 anos – Kirkham tinha exatos 30 anos – e nenhum deles tinha doença pré-existente. Morreram em decorrência dos golpes que levaram no ringue. Outros casos, mas fora do ringue, foram o do lutador de MMA Phil Matherson, que foi morto por outro lutador de MMA na rua, em setembro do ano passado; e o do casal de lutadores de MMA Wilbur South e Maryellen Cano, que, em novembro do ano passado, começaram a discutir e brigar em casa usando suas técnicas de luta até que Wilbur matou a esposa e, na sequência, vendo o que fizera, resolveu se matar.

Anderson Silva, José Aldo, Júnior Cigano, os irmãos Nogueira (Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro) são nomes de brasileiros que ganham cada vez mais notoriedade através do MMA, especialmente após o UFC RIO – primeira edição do evento no país. Dentre os maiores lutadores do evento, está o declaradamente cristão Vítor Belfort, que, após as lutas, costuma agradecer a Deus por suas vitórias e tem escrito em seu calção o nome de Jesus. Quando questionado sobre o possível conflito entre profissão e religião, Belfort explica que o que faz no octógono “não é participar de uma briga e, sim, de uma competição esportiva”. Neste primeiro UFC no Brasil, o estreante Erik Silva, que tem como um de seus apoiadores o senador evangélico Magno Malta, seguiu o exemplo do veterano e dividiu o espaço do patrocinador no calção com o nome de Jesus. Nos Estados Unidos, há até, por exemplo, um pastor que chama atenção por se dedicar publicamente a pregar e orar pelos lutadores. Brian Beals, pastor da Igreja de Canyon Creekaté, recebeu o apelido de “Pastor da Luta”, por causa dessa afinidade, além de sua amizade com Jeremy Stephens e Rogers Demico, do UFC. Há aproximadamente sete anos, o pastor Beals iniciou sua congregação em Everett, Estado de Washington e, por ser um grande admirador do MMA, começou a pregar a fé em Cristo aos lutadores. Hoje, existem mais de 20 atletas desta modalidade entre o seu rebanho de cerca de mil membros.

Quando questionado sobre a polêmica em sua atuação, Beals afirma: “Muitos cristãos são contra todas as coisas que eles não entendem. A maioria dos lutadores são homens bons, não estão brigando em bares, são atletas. Uma igreja saudável tem interesses socioculturais diversificados, logo há espaço também para esse profissional”. E completa: “Os missionários em geral dedicam-se a grupos de pessoas que não são alcançados. Vejo-me como um missionário para a comunidade de MMA. Deus nos deu uma estratégia para tentar chegar a essa comunidade específica”, explicou Beals ao portal de notícias internacional The Christian Post.

Porém, diferentemente do que diz Beals, a verdade é que a maioria dos cristãos não é contra o MMA “por não o entenderem”, mas justamente por saberem, à luz da Bíblia, que não convém a um cristão praticar, muito menos a título de competição esportiva, lutas violentas. Além do que não é sadio para um crente ter prazer em ver uma pessoa esmurrando a outra, que é a razão de as pessoas se interessarem em assistir a esses tipos de evento. Não é um entretenimento cristão. Com isso, não estamos questionando aqui a sinceridade da fé de Vitor Belfort e outros lutadores que professam a sua fé em Jesus, mas destacando a clara impropriedade entre a fé que professam e esse tipo de atividade. Lembremo-nos que muitos crentes sinceros cometem erros por falta de orientação correta à luz da Bíblia e que tudo o que fazemos deve ser passado pelo crivo da Palavra de Deus. O fato de alguém dizer que é de Jesus não garante que tudo o que faz é correto e bíblico.

“Sei que é difícil para um lutador como Vítor Belfort sair do meio em que vive. É a sua profissão. Há muita coisa em jogo. E ele demonstra ser uma pessoa sincera, equilibrada. Aliás, já enviei algumas mensagens a ele pelo Twitter. Se não me batesse, diria a ele pessoalmente por que o MMA não combina com a vida cristã (risos)”, brinca o pastor Ciro Zibordi.

Aqui, no Brasil, costuma-se usar os lutadores dessas competições e a própria atividade específica deles para alcançar pessoas a Cristo. É o caso de uma denominação que chegou a ser noticiada no canal National Geographic por montar um ringue dentro da igreja e promover a luta em campeonatos como forma de evangelismo. Segundo os organizadores de tal evento, por meio dele 60 jovens já haviam entregado suas vidas a Jesus. Mas, pergunta-se: Que tipo de conversões estão sendo geradas por esse tipo de trabalho? É correto uma pessoa usar essa prática para levar pessoas a Cristo? Que mensagem cristã esse tipo de luta passa para as pessoas? O que dizer de pessoas que acham legal ser cristãs porque suas referências de cristãos são gente que “arrebenta” bem no ringue? É esse tipo de atividade que deve levar as pessoas a Cristo? Ora, os fins não justificam os meios. Não basta que meus objetivos sejam moralmente corretos; os meios que utilizo para chegar a eles também devem ser moralmente corretos.

Não há problema de um crente treinar uma arte marcial como treinamento militar ou de forma particular para sua legítima defesa, mas há, sim, problemas com a atitude de treinar uma arte marcial para participar de competições onde o objetivo é derrotar alguém desferindo-lhe socos e pernadas em um ringue, e com golpes cada vez mais violentos, para delírio da plateia. Isso não convém a um cristão, nem é uma atividade que desperta sentimentos nobres nas pessoas. Só satisfaz a alma pecaminosa. É uma prática pagã. Foge do espírito do cristianismo.

Em Gálatas 5.19-21, estão listadas entre as obras da carne “porfia”, “emulação” e “peleja” e “coisas semelhantes a estas”. Há quem diga que nem sempre quem entra no ringue para competir o faz tendo no coração essas coisas (o que pode até ser possível no início, mas é quase impossível no calor do embate), mas ainda que isso fosse uma realidade, há de se considerar que estamos falando de violência consentida, onde um dos competidores sairá arrebentado ou os dois sairão arrebentados, o que não é nada sadio. Além do que, é no mínimo estranho que duas pessoas entrem em um ringue, e ainda mais em uma competição, para desferir socos e pontapés no outro, deixando o seu próximo arrebentado, e o façam “com o coração cheio de amor” ou sem uma gota de maldade ou violência no coração. Uma coisa é autocontrole para não se desestabilizar emocionalmente no ringue ou não matar o oponente, outra coisa é dizer que se vai para um confronto físico violento “com amor no coração”.

Outro detalhe é que a Bíblia também diz que “quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). Pergunta-se: É um esporte sadio arrebentar o outro? Esse tipo de esporte glorifica a Deus? Em que Deus pode ser glorificado nessa prática? E a glorificação a Ele é estimulada de que forma nos corações de quem assiste esse tipo de esporte?

“Vale tudo” na igreja?

O pastor Ciro Zibordi frisa que a violência nas lutas não pode ser ignorada. Quando questionado sobre o uso da estratégia de usar o esporte como ferramenta para evangelização, o teólogo explica que não concorda com essa combinação porque “o culto que oferecemos é para Deus, e não para os homens”. E acrescenta: “Se tomarmos como base o que as pessoas gostam, as atrairemos para as igrejas, mas as afastaremos da verdade. O Evangelho não deve ser comunicado da maneira como as pessoas desejam ouvi-lo, e sim da forma como precisam ouvi-lo”, declara, deixando ainda um alerta: “Não quero ser estraga-prazeres, pois sei dessa onda de MMA no Brasil, mas os esportes verdadeiros estimulam o espírito de equipe e não têm como objetivo principal bater num competidor. O futebol, por exemplo, costuma ser praticado no campinho perto de casa, na quadra da escola etc. Já pensou se o pessoal resolver praticar MMA como se fosse um esporte em todos os bairros?”, pondera pastor Ciro. Como afirma a Palavra de Deus, “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convém” (1Co 6.12).

 

 

Fonte: AD AL

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Correspondente pela sede desde 2008. Formada em comunicação social com habilitação em relações-públicas. Estudante de jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas. Voluntária no Centro de Assistência Social de Rio Largo - Casadril.