EBD| tema para a Classe Jovem Lição 7 – O Milagre de Andar por sobre o Mar
Fonte: Portal da Escola Dominical
Introdução
I – Os discípulos e a perspectiva do Reino
II – O mar e o milagre
III – “O Eu Sou”
Conclusão
Professor(a), a lição deste domingo tem como objetivos:
Comparar a postura dos discípulos com a perspectiva do Reino;
Ilustrar a situação do “mar”, explicando que na verdade trata-se de um imenso lago de água doce;
Apontar as evidências de que Jesus, em sua resposta, pronunciou o nome de Deus.
Palavras-chave: Milagre.
Para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio de autoria do pastor César Moisés Carvalho:
Há uma longa discussão se o quinto episódio milagroso relatado no Quarto Evangelho é, ou não, realmente um sinal (6.16-21). É importante lembrar que o sistema de divisão da Bíblia por capítulos e versículos é um recurso “recente”, isto é, ela foi dividida em capítulos em 1214 pelo professor da Universidade de Paris, Stephen Langton (1150–1228), arcebispo de Cantuária. Em 1551, Robert Estienne (1503–59), redator e editor em Paris, ampliou o trabalho e dividiu o Novo Testamento de língua grega em versículos. Teodoro de Beza (1519–1605) gostou tanto da ideia que, em 1565, dividiu a Bíblia toda em versículos. Se, por um lado, tal recurso auxilia, por outro, traz algumas dificuldades, pois há uma tendência natural em pensar que o término de um capítulo sempre equivale ao seu final (às vezes, pode ser mesmo). Nem sempre isso acontece e, nesses casos, tal divisão atrapalha. A divisão original do texto bíblico dá-se por meio de porções ― parágrafos ― que os exegetas chamam de perícope, uma expressão grega que significa “cortar ao redor”. Assim, a despeito de o capítulo seis do Quarto Evangelho possuir 71 versículos, há várias perícopes nele (vv. 1-15, 16-21, 22-40, 41-51, 52-59, 60-65, 66-71), e elas estão ligadas não por questões necessariamente cronológicas, mas, sobretudo, pelos temas e assuntos discutidos. Neste particular, o contexto é fundamental. A respeito do sinal objeto de análise deste capítulo, dentro da estrutura narrativa joanina, a reflexão anterior que tratou da multiplicação dos pães é imprescindível à sua compreensão. Lembrando sempre que o miraculoso, em si, não é o mais importante para João, mas, sim, o que aquele significa e apregoa.
É sabido que Jesus cumprira uma expectativa ao multiplicar os pães e peixes (daí o porquê de eles dizerem: “Este é, verdadeiramente, o profeta que devia vir ao mundo”, v. 14), pois os “judeus esperavam para o tempo messiânico a renovação do milagre do maná” e, diz Maggioni, “confrontados com o milagre do pão, vêem em Jesus o profeta esperado (Dt 18,15; cf. Jo 1,21)”1. O grande problema é que tais expectativas messiânicas, essencialmente políticas, “terminavam muitas vezes em revoltas populares (eficientemente esmagadas no sangue, pelos romanos), e este é o equívoco que Jesus quer evitar”. Na verdade, diz o mesmo autor, durante todo “o seu ministério, Jesus cuida bem de evitar o equívoco do fanatismo de tipo zelota, equívoco que se tornará ironicamente o pretexto de sua condenação”. Não obstante tal observação, a informação do versículo 15 ― “Sabendo, pois, Jesus que haviam de vir arrebatá-lo, para o fazerem rei, tornou a retirar-se, ele só, para o monte” ― significa muito mais que uma “fuga”. Tal ato sinaliza para a ideia de que “o entusiasmo da multidão era falso”, ou seja, o povo “não viu no milagre um sinal que revelava Jesus, na sua missão messiânica, mas uma prova que confirmava a preconcebida e equívoca esperança messiânica deles”2. O povo quer fazer de Jesus rei justamente por ter “lido” o milagre da multiplicação dos pães e peixes através de lentes e expectativas erradas, ou seja, “a multidão leu o sinal no esquema deles”, não tendo, portanto, entendido “seu significado verdadeiro”3. As pessoas perseguiam “seu próprio sonho messiânico, não estavam na expectativa do dom de Deus”, isto é, “a busca de si impede de ler o sinal como sinal revelador do Cristo e abrir-se à fé”. Justamente por isso, o Senhor “dissolve o entusiasmo popular retirando-se para a montanha, sozinho: com esta separação quer afirmar que o seu messianismo é diferente, que o caminho que ele percorre é diferente”4.
Tal saída à francesa certamente decepcionou não apenas a multidão, mas, sobretudo, o colégio apostólico (Mc 6.52), posto que este, formado por judeus autênticos, tinha exatamente as mesmas expectativas dos demais (Mt 16.13-23; Mc 10.32-45). Portanto, ao informar o texto joanino que “quando veio a tarde, os seus discípulos desceram para o mar”, e que, em seguida, eles “entrando no barco, passaram o mar em direção a Cafarnaum; e era já escuro, e ainda Jesus não tinha chegado perto deles” (vv.16,17), tal dado lembra outros textos e ocasiões semelhantes (Mt 19.27-30 cf. Jo 21.2-4). Assim, mesmo sabendo de tal frustração, Jesus não desiste de seus discípulos; antes, diz Maggioni, “este Deus que elude as expectativas dos homens e foge irá espontaneamente ao encontro dos discípulos (6,16-21)”5. E, ao proceder assim, o Senhor não o faz de forma convencional, mas resolve ir ao encontro do colégio apostólico de maneira inusitada. Tal atitude não se trata de exibicionismo, mas, diz Aker, o “fato de Jesus andar sobre o mar consolida mais que Ele realmente é o Filho de Deus, que veio do céu com a vida eterna”6. Importava ao Senhor que os Doze não desfalecessem e nem ficassem em dúvida acerca do que eles estavam concluindo a cada ensinamento e ação de Jesus (vv. 68,69). Tal propósito fica claro quando se verifica, segundo Aker, que a “interpretação e registro de Jesus andar sobre o mar (Jo 6.17-22) é feito de modo judaico, derivado de uma das sete regras interpretativas de Hillel”. Tal regra interpretativa — ou princípio — ensina que “tudo o que pode ser dito de A pode ser dito igualmente de B”; portanto, se no “Antigo Testamento, Javé (Deus) andava sobre o mar (veja Jó 9.8; Sl 77.19)” e, continua o mesmo autor, em “Êxodo Rabá, um comentário sobre o livro do Êxodo, a mesma crença é divulgada”, conclui-se que, se “Jesus anda sobre o mar, Ele também é divino”. Em termos diretos, completa Aker, no “ambiente do judaísmo dos dias de João, o fato de Jesus andar sobre o mar seria imediatamente relacionado com o Javé das Escrituras” e, ainda mais, “o motivo de andar sobre o mar ajusta-se com a época da Páscoa, já que o judaísmo fazia tais associações em sua liturgia”7.
Antes de prosseguir com a reflexão acerca do significado do sinal, é importante lembrar que o chamado “mar da Galileia” trata-se, na verdade, de um grande lago de água doce e, por isso mesmo, havia várias cidades estabelecidas em seu entorno. Tim Dowley diz que “Escavações arqueológicas têm revelado que havia ao todo doze cidades em volta do lago” e que “Grande parte do ministério de Jesus ocorreu ao redor do mar da Galiléia”8. Também chamado pelos nomes de Tiberíades, “(nome romano) […] mais conhecido para este lago nos dias de João”9 , Mar de Quinerete e Lago de Genezaré, a travessia do mar da Galileia era uma das maneiras mais práticas de viajar-se de uma cidade para outra. A situação dos discípulos é bastante delicada. Decepcionados com a postura de seu Mestre, eles aguardam até a tarde; Jesus, contudo, não reaparece, e eles agora se veem sozinhos e resolvem descer para o mar e navegá-lo até Cafarnaum (vv. 16,17). O texto joanino informa que “era já escuro”, ou seja, era noite, e tudo se encontra em “trevas”, inclusive eles, pois estão desesperançados e, tanto mais, pois “ainda Jesus não tinha chegado perto deles” (v. 17). Como se isso não bastasse, “o mar se levantou, porque um grande vento assoprava” (v. 18). Tais fatos, somados a ideia de que “para os antigos o mar era habitado por potências maléficas que figuravam as forças do mal”10, informa Michel Gourgues, colocam esse episódio como um dos mais dramáticos entre o Mestre e o colégio apostólico. Tal informação explica, por exemplo, o porquê de, nos textos paralelos, Jesus ser tido como um “fantasma”, bem como os gritos de pavor e o assombro dos apóstolos (Mt 14.26; Mc 6.49). Essa é a explicação para o fato de, conforme diz o apóstolo do amor, os discípulos sentirem medo ou temerem (v. 19). Apesar de alguns dos apóstolos serem experientes pescadores e, certamente, acostumados à travessia do lago com pequenas embarcações, eles haviam navegado pouco ― “vinte e cinco ou trinta estádios” ―, ou seja, considerando que o estádio media quase 185 metros, não ultrapassaram cinco ou seis quilômetros de navegação.
Em meio a toda essa situação ― decepção, abandono, insegurança, medo, desespero ―, os Doze ouvem uma voz conhecida: “Sou eu; não temais” (v. 20b). O simples fato de que se tratava de Jesus já é completamente animador, e a esperança acende-se. Contudo, aconteceu muito mais que isso. Para compreender-se perfeitamente o que o apóstolo do amor quer transmitir ao relatar esse episódio, é necessário fazer uma digressão. Apesar de os discursos que se seguem após esses eventos não serem objetos de estudo, é importante entender que o capítulo seis, diz Dodd, “tomado como um todo (e incluindo o apêndice ou epílogo) indica uma progressão das falsas ou inadequadas concepções da condição e das funções messiânicas de Cristo, para concepções mais adequadas”11. Tudo indica que a única coisa para qual o povo está “preparado” para compreender não passa de algo como “encontrar nele um segundo Moisés, que restaurará o dom do maná”; isso, contudo, pouco parece importar para o Senhor, pois Ele “dá algo melhor que o maná: dá o pão da vida”, e, continua o mesmo autor, ainda “mais: Ele é o Pão da vida”, ou seja, “zoopoion 12” pois a “união com ele é vida eterna”. Contudo, diz o mesmo autor, tal “crescimento acarreta um ato de krisis”, pois distancia “os que são incapazes de fazer a evolução requerida, dos poucos que, pelo menos em certa medida, têm vontade de fazê-la”. Assim, enquanto a “multidão fica ‘escandalizada’, explica Dodd, os Doze, após passar a crise inicial, “confessam que Jesus é não apenas o Santo de Deus (ou Messias), mas também aquele cujas palavras transmitem zoe aionios”13 , isto é, vida eterna (cf. vv. 68,69).
Com essa reflexão, já se torna evidente e muito claro o propósito de o Senhor ter permitido que os Doze ficassem sozinhos, tivessem a iniciativa de voltar à base em Cafarnaum (Mc 2.1) e, como afirmou Dodd, ameaçassem uma deserção separando-se da multidão. Para levá-los a desenvolver uma fé verdadeira e madura, com expectativas corretas acerca do Senhor e do Reino de Deus, era preciso que eles sofressem a crise em sua inteireza. E foi talvez num dos momentos mais difíceis, antes da prisão e da crucificação do Senhor, que o colégio apostólico comprovou que, de fato, eles estavam mesmo seguindo o Cristo, o Filho de Deus (Mt 14.32,33). Se em meio à tranquilidade da multiplicação dos pães, eles não perceberam isso e mostraram-se decepcionados com o Mestre, eles então compreenderam que se tratava realmente do Filho de Deus no desespero do mar. O Mestre não os abandonou; antes, foi encontrá-los em meio à dificuldade, caminhando sobrenaturalmente por sobre as águas e identificando-se da forma mais improvável ― “sou eu” ―, pois os judeus não aceitavam que alguém utilizasse essa expressão (Jo 8.58,59). Assim, o fato de o Senhor andar sobre as águas tempestuosas do mar da Galileia e ainda proporcionar que a viagem, antes difícil e quase sem evolução alguma, fizesse com que o barco chegasse rapidamente “à terra para onde iam” (v. 21). A viagem que não progredia acabara repentinamente sem que, aparentemente, os discípulos se apercebessem. Dessa forma, o milagre vai muito além de o Senhor caminhar surpreendentemente sobre as águas, mas, como sinal, revela que Ele é Deus e que, portanto, se estivermos no “barco”, não apenas a viagem, mas tudo o mais irá bem.
*Adquira o livro do trimestre de autoria de CARVALHO, César Moisés. Milagres de Jesus: A Fé Realizando o Impossível. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2018.
Que Deus o(a) abençoe.
Lidiane Santos
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