EBD | Classe Jovem – Lição 6 – O Dom de Línguas
Fonte: Portal da Escola Dominical
Introdução
I-O Falar em Outras Línguas
II-O Falar em Outras Línguas na Vida Pessoal
Conclusão
Professor(a), a lição deste domingo tem como objetivos:
Refutar o argumento de que o dom de línguas é bíblico, mas não é para os nossos dias;
Mostrar que o falar em línguas edifica a nossa vida pessoal.
Palavra-chave: Pentecostes.
Para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio de autoria do pastor Alexandre Coelho:
Introdução
O falar em línguas é uma das práticas que crentes pentecostais acreditam serem atuais com base nas Escrituras. Além da promessa de Jesus em Marcos 16 e da narrativa de Lucas em Atos, temos a carta de Paulo aos Coríntios como base para entender a prática do falar em línguas.
Infelizmente, a falta de um estudo adequado das Escrituras traz ideias equivocadas sobre a Igreja em Corinto e suas práticas. Há quem associe as confusões na Igreja de Corinto à prática dos dons espirituais como se os dons do Espírito fossem responsáveis pelos problemas daquela comunidade. Esse é um erro de interpretação, que, de forma premeditada ou não, denigre não apenas o movimento pentecostal, como também os dons espirituais que Deus envia para a sua Igreja.
Ao escrever aos coríntios, o apóstolo Paulo fornece-nos informações preciosas sobre dois dons que, certamente, eram muito usados naquela comunidade: o falar em línguas e o profetizar. Dentro da perspectiva de que as línguas e a profecia são dons do Espírito para a edificação da Igreja, o apóstolo traz orientações sobre como a igreja deve portar-se no trato com essas manifestações.
Se cremos que a Palavra de Deus é inspirada e que Paulo foi inspirado a escrever aos coríntios sobre esse assunto, veremos que o servo de Deus não ensina que esses dons devem deixar de ser ministrados, mas orienta que eles sejam usados da forma correta, tendo em vista que a sua principal função é edificar o corpo de Cristo, quer de forma individual, quer de forma coletiva.
I – O FALAR EM OUTRAS LÍNGUAS
As Línguas em Marcos 16
Iniciemos nosso estudo sobre as línguas remontando as palavras de Jesus em Marcos 16: “Estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome, expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e imporão as mãos sobre os enfermos e os curarão” (Mc 16.17,18). João Marcos, o evangelista, tem o cuidado de mostrar que Jesus, já ressuscitado, comissiona seus discípulos com autoridade e poder a que pratiquem, em nome dEle, obras poderosas como, por exemplo, expulsar seres espirituais malignos, curar enfermidades e falar em outras línguas.
Marcos 16 traz as palavras de Jesus numa perspectiva de futuro, ou seja, de coisas que ainda aconteceriam. Os seguidores de Jesus iriam, em seu nome, não apenas falar em línguas, mas também expulsar demônios e curar enfermos. Nesse aspecto, tendo como referência o fim do livro de Marcos, não vemos o falar em línguas acontecendo, mas vemos Jesus já deixando a premissa de que, primeiro, o falar em línguas seria um sinal; segundo, o falar em línguas seria para quem cresse; e, terceiro, o falar em línguas vem acompanhado de outros sinais poderosos, como o expulsar demônios e o curar enfermos.
O Ensino Paulino sobre as Línguas
Após tratar de diversos assuntos relacionados à divisão na igreja, atitudes para com pessoas desordenadas e a Ceia do Senhor, Paulo dá prosseguimento à sua carta aos Coríntios fazendo uma comparação entre uso do dom de línguas e o uso da profecia. Isso era necessário, pois tratar do uso dos dons era um assunto que deveria ser discorrido naquela comunidade. Deixemos claro que o ensino paulino não impede nem restringe a utilização do falar em línguas, e sim o regulamenta. Qualquer entendimento diferente deste deturpa a ideia original do escritor e, consequentemente, ataca a própria inspiração divina, que moveu Paulo a escrever sobre esse assunto. Além disso, alegar que a Igreja em Corinto era bagunçada por causa dos dons espirituais é o mesmo que dizer que o próprio Deus é responsável pela desordem no culto, pois Ele mesmo deu os dons à Igreja. O que certos intérpretes — que defendem a cessação dos dons — deixam de levar em consideração é que a Igreja em Corinto já tinha seus problemas de desordem, divisões, maus procedimentos na Santa Ceia e até imoralidade sexual. Esses fatores, sim, faziam daquela igreja, em particular, uma igreja que precisava de reprimendas para ajustar-se aos padrões de Deus. E outro aspecto deve ser apresentado: Deus enviou seus dons àquela igreja para que ela fosse edificada. Esse preceito vem sendo atacado hoje por quem entende que os dons cessaram, mas tal opinião não tem respaldo nas Sagradas Escrituras.
O Ensino Paulino sobre as Línguas
Tem-se crido que a Igreja Coríntia tinha em seus cultos as manifestações dos nove dons espirituais mencionados por Paulo. Acredito que esses dons mencionados no capítulo 12 da Carta são números clausus, ou seja, uma lista fechada, onde não se admite a inserção de outras modalidades de manifestações. Caso o fosse possível, o apóstolo certamente teria mencionado algum outro dom, o que não nos parece ser o caso. Há, sim, outras listas que trazem ministérios e dons dados por Deus, mas a nossa análise será em 1 Coríntios. Os dons descritos no capítulo 12 são suficientes para suscitar questionamentos contrários às ideias cessacionistas no tocante à validade dos dons em nossos dias.
O mais criticado é o dom de línguas, e essa atitude tem uma razão. A doutrina pentecostal tem sido enfática no sentido de ensinar que, de acordo com as referências de Atos 2, 13 e 19, o batismo no Espírito Santo tem o falar em línguas por evidência inicial.
Paulo tem uma perspectiva em relação às línguas diferente dos cessacionistas. Ele reconhece que esse dom vem efetivamente do Espírito Santo: “Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil” (1 Co 12.7). Independentemente de existir cultos na história cujas manifestações tinham similaridades com alguns dons, os dons relatados por Paulo têm origem divina.
Há cultos em que os adeptos tinham momentos de êxtase e falavam palavras desconexas, mas a experiência do falar em línguas mencionada por Paulo é diretamente oposta às outras experiências, pois a sua origem é o Espírito Santo, que criou os dons espirituais, distribuiu-os aos crentes e edificou a sua Igreja por meio deles.
Comparar as experiências dessas religiões ao dom de línguas dado pelo Espírito Santo com o objetivo de desqualificá-lo e chegar à conclusão de que é um fenômeno humano de origem maligna, tendo em vista que seria uma repetição de um padrão de possíveis falas desconexas, é desprezar a fonte que gera e distribui o dom, ou seja, a própria pessoa do Espírito de Deus.
Orar em Línguas
“Porque, se eu orar em língua estranha, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto” (1 Co 14.14). Paulo dá prosseguimento à doutrina ensinada discorrendo sobre a oração. Se entendemos que orar é falar com Deus, também entendemos que a comunicação com Ele em línguas é uma manifestação que é genuinamente pentecostal, porém não restrita aos arraiais pentecostais. As palavras de uma língua não estão necessariamente restritas a uma forma de pensar ou a um grupo de pessoas. O falar em línguas, o derramamento do Espírito e os dons espirituais não estão restritos ao meio pentecostal. A promessa da efusão do Espírito é para toda a carne e não é patrimônio de uma única igreja.
Uma característica destacada por Paulo no assunto das línguas é que, quando utilizadas na oração, fazem com que o espírito ore bem. Parece que não há qualquer impedimento na oração ao Pai Celeste quando se utiliza o falar em línguas.
O apóstolo também destaca que, quando se ora em línguas, “o entendimento fica sem fruto”, ou seja, é como se o intelecto da pessoa não tivesse participação, não entendesse efetivamente o que está sendo falado. Paulo menciona esse fato, mas não dá a entender que o texto seja uma condenação ao orar em línguas. Ele mesmo diz que, ao orar em línguas, “o meu espírito ora bem”. Com certeza, pela revelação do Senhor trazida a Paulo, orar em línguas manifesta uma conexão mais íntima e profunda com o Espírito Santo, sendo difícil crer que Deus tenha reservado esse momento de intimidade com Ele e essa possibilidade de orar em línguas somente para a Igreja Primitiva. Paulo usou o tempo verbal no presente como uma indicação de que, tanto hoje quanto nos dias do apóstolo, o orar em línguas era e é para todos os crentes.
Evidentemente, o apóstolo roga à igreja que use de equilíbrio na prática das línguas na oração: “[…] Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento” (1 Co 14.15). A orientação paulina é que haja um momento adequado para cada tipo de oração, mas não há uma condenação apostólica para a oração em línguas. Paulo também não proibiu o falar em línguas no culto nem no momento de devoção pessoal.
Um Sinal para os Incrédulos
É provável que, neste verso, Paulo esteja remontando a Atos 2, quando os apóstolos de Jesus falaram em línguas, e as pessoas de outras nações, que estavam em Jerusalém, ouviram todos falando das grandezas de Deus. As línguas não trariam nenhum sentido ao entendimento para quem não compreendia o culto em Corinto, ou seja, um infiel. Entende-se que aqui — se comparado à profecia, que é transmitida na língua vernácula, isto é, na língua nativa das pessoas daquela igreja — as línguas estranhas trariam a ideia de que aqueles crentes estariam loucos, pois eles iriam falar coisas que não poderiam ser entendidas. Por isso, Paulo privilegiava as línguas no culto que eram acompanhadas de interpretação, e a profecia, para que aqueles que não eram da fé soubessem “que Deus [estava] verdadeiramente entre [eles]” (1 Co 14.25).
II – NA VIDA PESSOAL
A Oração em Línguas
Vejamos como Paulo trata o uso do dom de línguas em 1 Coríntios 14.14-17:
Porque, se eu orar em língua estranha, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto. Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento. Doutra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o que ocupa o lugar de indouto o Amém sobre a tua ação de graças, visto que não sabe o que dizes? Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado.
Paulo reconhece que a oração feita em línguas faz com que o espírito ore bem. Parece um mistério a forma como as línguas na oração aproximam de Deus as nossas necessidades, súplicas e louvor sem aparentes interferências. A linguagem humana nem sempre é adequada para aproximarmo-nos do Senhor; sendo assim, as línguas seriam a linguagem do nosso espírito falando diretamente com o Espírito Santo.
Essa modalidade de manifestação não exige que a oração seja traduzida; na verdade, Paulo compreende ser esse momento da oração em línguas algo tão íntimo que não orienta que a oração passe pelo processo de tradução na língua vernácula, nem que a pessoa que está orando em espírito também ore para interpretar a sua oração, como é o caso do falar em línguas em público no culto. Paulo diz que orar em línguas não traz frutos ao entendimento, mas ele também não pede que a oração seja entendida. Não há, portanto, um obstáculo para que passemos momentos com Deus em oração feita na língua do Espírito.
Paulo orienta que há momento para a oração em línguas e para a oração em público. “Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento”. O mesmo entendimento que fica prejudicado no uso das línguas para a oração é valorizado quando é feita a oração na língua vernácula, e assim se ora com o entendimento. É possível cantar com o espírito, mas é igualmente possível cantar com o entendimento, ou seja, na língua dos demais membros do corpo de Cristo.
O amém na oração é uma palavra que traz a ideia de concordância do grupo à pessoa que está orando. Para que essa concordância ocorra, é necessário entendimento de todos. Da mesma sorte, quando uma pessoa dá graças a Deus em espírito, o Eterno recebe a gratidão, mas a comunidade não é edificada por não saber o que está sendo transmitido. Mais uma vez, não há uma reprimenda à gratidão em línguas, apenas a sua regulamentação.
Línguas para Falar com Deus
“Porque o que fala língua estranha não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala de mistérios” (1 Co 14.2). Uma das verdades acerca do dom de línguas é que quem se utiliza dele fala com o Senhor. Paulo diz que há uma comunicação entre a pessoa e Deus por mais que os homens não entendam o que está sendo pronunciado. Essa é uma revelação muito séria, pois o falar em línguas tem sido combatido por cristãos cessacionistas, que acreditam que essa manifestação não seria um dom para a igreja de hoje. Eles baseiam-se no fato de que a revelação de Deus já está toda nas Escrituras, mas, curiosamente para eles, esta parte da revelação nas mesmas Escrituras não teria valor normativo, como justamente a recomendação de orar em línguas e a não proibição de falar em outras línguas; ou seja, seriam relatos que não deveriam ser reproduzidos na vida cristã em nossos dias. Como Paulo não demonstrou esse mesmo entendimento, cremos que o falar em línguas inicia uma comunhão mais íntima com Deus no momento em que o dom é manifesto, e é isso que a Bíblia diz.
Em comparação com o dom de profetizar, o dom de línguas tem um alcance individual, ou seja, se a pessoa fala com Deus no dom de línguas, a pessoa fala com os homens no dom de profetizar. O juízo de valor estabelecido por Paulo refere-se ao alcance de cada um desses dons, e um tem alcance mais amplo que outro nessa esfera. Assim sendo, não se pode dizer que as línguas não têm serventia no culto.
Nessa vertente, observa-se que os estudiosos que criticam o uso das línguas no culto são os mesmos que não incentivam a profecia, pois eles entendem que profetizar, de acordo com 1 Coríntios 14, não é a pregação da Palavra de Deus, mas o recebimento de uma palavra de forma espontânea vinda diretamente dEle. Para tais teólogos, o maior desses dons é a profecia, mas não podem haver manifestações de profecias em suas igrejas. Na prática, há pessoas que escolhem as partes das Escrituras que lhes interessam ou que lhes são adequadas a uma visão teológica. Ou levamos a sério a revelação dada por Deus por inteiro ou, então, escolheremos os textos que mais nos agradam, desprezando os demais que não combinam com a nossa ótica filosófica.
Edificação Pessoal
“O que fala língua estranha edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja” (1 Co 14.4). Paulo mostra a primeira diferença entre o ato de profetizar — e, nessa passagem, não se trata da pregação da Palavra de Deus — e o falar em línguas. O ato de profetizar traz uma edificação coletiva, ao passo que o falar em línguas traz edificação pessoal. É inegável que o ato de profetizar na língua vernácula traz uma edificação muito maior, pois a profecia alcança a congregação. É igualmente inegável, porém, que o falar em línguas fortalece quem fala, e isso é o apóstolo Paulo que está ensinando. Contradizer esse princípio equivale a contradizer o restante dos escritos paulinos, pois não há um escrito mais inspirado e outro menos inspirado. Não é pecado edificar a si mesmo. Na Igreja de Cristo, há espaço para os que profetizam e edificam a igreja e há espaço para os que falam em línguas edificando a si próprios. A utilidade de cada dom tem sua oportunidade e espaço para a glória de Deus. É notório que há cristãos que intelectualmente entendem ser a profecia um dom de alcance plural, mas rejeitam sua manifestação genuína em suas igrejas. Para sermos honestos intelectualmente, precisamos ser coerentes com o que a Palavra de Deus fala e estar abertos a praticar o que foi falado.
Agradecendo a Deus
“Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado” (1 Co 14.17). A gratidão é uma das características que traz contentamento a Deus em nossa relação com Ele. Tão importante quanto a santidade, que nos desafia a ser pessoas separadas para Deus, a gratidão faz de nós pessoas que reconhecem que Deus foi quem nos beneficiou, que nos fez um favor, seja por meio de uma resposta de oração, seja simplesmente por um ato de sua vontade para conosco sem que tivéssemos pensado ou pedido.
Paulo mostra que as línguas são um instrumento de manifestação de gratidão por parte de quem fala, e Deus certamente se envolve nesse momento de reconhecimento. A gratidão manifesta no falar em outras línguas, entretanto, não edifica outras pessoas.
Essa observação do apóstolo torna a mostrar que o falar em línguas tem um caráter pessoal quando visto sobre a perspectiva do alcance da coletividade. Não há impedimento para que se fale em línguas na congregação, pois tal manifestação inclui a nossa gratidão a Deus. Concordamos que há uma diferenciação sobre o alcance coletivo e o individual no contexto paulino, mas entendemos que essa diferenciação tem um caráter educativo, ou seja, o objetivo é efetivamente incentivar o dom de uso coletivo sem desprezar o dom de alcance individual.
III – AS LÍNGUAS NA IGREJA
Podem ser Interpretadas
“E eu quero que todos vós faleis línguas estranhas; mas muito mais que profetizeis, porque o que profetiza é maior do que o que fala línguas estranhas, a não ser que também interprete, para que a igreja receba edificação” (1 Co 14.5). Pela primeira vez, Paulo equipara aqui a pessoa que profetiza à pessoa que fala em línguas. Essa equiparação acontece justamente quando a pessoa que fala em línguas também a interpreta, de forma que a congregação é edificada. Sem tal junção, fala e interpretação, a igreja não é alcançada. Novamente, cabe a ideia de que Paulo não dá a entender que a profecia é a pregação da Palavra de Deus. Ele está falando dentro de um contexto em que o falar em outras línguas está sendo visto na igreja, e não de um momento no culto em que a Bíblia é explicada.
“Pelo que, o que fala língua estranha, ore para que a possa interpretar” (v. 13). De forma novamente didática, Paulo orienta os crentes em Corinto que busquem em oração a interpretação das línguas. Há o dom de interpretação de línguas dado pelo Espírito de Deus, e esse dom está disponível para a congregação. Paulo mostra que a oração é o caminho para que se possa receber de Deus essa graça e justamente para que haja entendimento das línguas que estão sendo faladas.
A interpretação contextualiza o que está sendo falado. Imaginemos o seguinte cenário: O primeiro culto cristão em terras brasileiras foi celebrado a indígenas e na língua latina. Pense no alcance dessa comunicação aos habitantes da então chamada Terra de Santa Cruz. Como eles não entendiam o latim, e os descobridores não falavam as línguas nativas, não houve qualquer comunicação entre esses grupos, mesmo que o culto tenha sido realizado.
Paulo prossegue: “Pelo que, o que fala língua estranha, ore para que a possa interpretar”. Falar em línguas não é um dom desprestigiado por Paulo na igreja. O alcance individual desse dom ganha contornos públicos quando as línguas faladas são interpretadas. No capítulo 12, Paulo diz que, pelo Espírito, há o dom de interpretar línguas, oermēneia glōssōn, dado pelo Espírito Santo. O Eterno sabe que falar em outras línguas tem seus momentos e que a interpretação dessas línguas dadas por Ele tem por finalidade edificar a sua igreja quando as línguas são interpretadas.
Não é demais falar que as línguas parecem ter um significado profético quando são interpretadas, e a responsabilidade pela busca da interpretação é do falante, que deve orar e pedir a Deus que lhe conceda a capacidade, que é dada pelo Espírito, de trazer a interpretação à congregação. Da mesma forma que Tiago orienta os crentes que têm falta de sabedoria para que venham pedi-la a Deus, Paulo orienta que quem fala em línguas deve orar para interpretá-las. Note que, se o falar em línguas não traz o entendimento ao falante, ele deverá buscar a interpretação e o entendimento daquilo que está sendo falado quando se dirigir à congregação.
Não Pode Atrapalhar o Culto
Uma característica que precisa ser observada é que o culto ao Senhor não pode ser atrapalhado ou obstruído pela manifestação dos dons espirituais. Eles devem ser vistos na igreja, mas não podem ocupar espaço no culto de tal maneira que gere desordem ou traga transtornos. Deus ordena que haja cânticos entre os irmãos e expressões de louvor que farão parte do culto.
Ele também ordena que os que falam em línguas façam-no em até duas pessoas e, se houver uma terceira, que seja para interpretar. Reiteramos que Paulo não está proibindo o falar em línguas no culto, e sim trazendo um norte, um senso de organização a uma igreja que, por natureza, como já havíamos dito, precisava de orientações em todos os aspectos. O mesmo vale para a profecia: “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem” (1 Co 14.29). Nessa passagem, o termo “profetas” não se refere aos que trazem a pregação da Palavra de Deus, e sim aos que receberam o dom do Espírito para profetizar, assim como profetizavam os servos do Senhor no Antigo Testamento. Se fossem pregadores e expositores da Palavra, teríamos uma dificuldade textual, pois seríamos levados a crer que dois pregadores falavam ao mesmo tempo na Igreja em Corinto. Imagine um culto em que duas pessoas falam em línguas em um tom de voz mais alto. Agora imagine se fossem dois pregadores falando ao mesmo tempo. A quem a congregação ouviria? Por isso, cremos que profecia e pregação são atividades distintas. Em que pese tal opinião, o que importa é que a ordem no culto deve ser respeitada pelos que manifestam os dons espirituais pelo Espírito.
Um Culto com Ordem
“Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação” (1 Co 14.26). No texto em que aborda a questão do culto, parece que Paulo traz o seguinte questionamento aos coríntios: o que eles deveriam fazer? Quando se ajuntassem, teriam diferentes formas de demonstrar sua adoração e comunhão com Deus: entoar um salmo, ensinar uma doutrina, trazer uma revelação recebida de Deus, falar em línguas e interpretar. A base desse conjunto de manifestações era que tudo deveria ser feito para a edificação, e não para a divisão ou confusão no ambiente do culto.
Completamos que a interpretação das línguas auxilia na ordem do culto, por trazer o entendimento necessário daquilo que Deus está transmitindo à congregação.
Falando de Forma Ordenada
“E, se alguém falar língua estranha, faça-se isso por dois ou, quando muito, três, e por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja e fale consigo mesmo e com Deus” (1 Co 14.27,28). Paulo orienta o ato de falar em línguas no culto público. Seu objetivo não é limitar o dom de línguas, mas, sim, mostrar a forma correta de utilizá-lo em público. Assim como uma pessoa cheia do Espírito pode falar em línguas nos seus momentos pessoais de devoção a Deus, ela também pode falar em público e na igreja; essa manifestação pública, contudo, deve seguir regras. Falar dois, no máximo três, é a orientação. Nesse aspecto, mesmo cultos pentecostais precisam respeitar a orientação bíblica de falarem dessa forma. Parece-nos que não há uma restrição a muitas pessoas falarem em línguas ao mesmo tempo; o verso 28 diz que, “se não houver intérprete, esteja calado na igreja”, uma possível indicação de que havia pessoas que falavam em línguas em um tom mais alto, sendo audível a toda a congregação. Duas a três pessoas falando em línguas num nível de decibéis que alcance todas as pessoas é o suficiente — e que haja interpretação. O objetivo dessa norma é focar na ordem e na modéstia do culto; neste, as pessoas podem manifestar sua espiritualidade sem exageros.
Buscando a Profecia como Dom
“Portanto, irmãos, procurai, com zelo, profetizar e não proibais falar línguas. Mas faça-se tudo decentemente e com ordem” (1 Co 14.39,40). Paulo encerra essa parte da Carta com a orientação de buscar com dedicação e com zelo o ato de profetizar, e não proibir o falar em línguas. Ele antecede essa conclusão chamando a atenção dos leitores: “Se alguém cuida ser profeta ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (v. 37). É curioso que a aferição de espiritualidade não é o profetizar ou o falar em línguas, mas, sim, o ato de reconhecer que Paulo está ensinando mandamentos do Senhor. O termo “portanto” é conclusivo, ou seja, completa um ciclo de pensamentos. Foi necessário o apóstolo pronunciar-se dessa forma para que os crentes coríntios não desprezassem o falar em línguas, como o fazem os cristãos cessacionistas.
Se não fosse para usar esse dom, Deus não o enviaria para edificar a sua Igreja. A busca com zelo é para todos os crentes que creem que os escritos de Paulo são a Palavra inspirada de Deus. E, em nossos dias, seria a igreja diferente da igreja daqueles dias? Cremos que profetizar é necessário hoje, tanto quanto o foi naqueles dias de Corinto. Falar em línguas traz benefícios individuais aos crentes, e o benefício é coletivo se as línguas forem interpretadas. E o que é perfeitamente necessário é isto: o culto deve ter ordem e decência. Um culto verdadeiramente pentecostal não necessita de eventos pirotécnicos para chamar a atenção dos ouvintes para as verdades de Deus. O culto também não deve ser engessado, frio, sob a égide de ser um culto racional, sem que o Senhor tenha a oportunidade de ser aquEle que conduz o seu povo à adoração.
Conclusão
A Bíblia é enfática quando diz que o dom de línguas não pode ser desprezado. Sua utilização deve seguir regras que ilustram um culto com ordem, onde Deus faz-se presente edificando o crente de forma individual, ou à igreja, com a interpretação das línguas. E, acima de tudo, que o dom de línguas ache espaço entre nós, em nossas orações, em nossos momentos com Deus, mas também na igreja, onde o Senhor valer-se-á de intérpretes para que tragam o entendimento do que está sendo falado.
*Adquira o livro. COELHO, Alexandre. O Vento Sopra Onde Quer: O Ensino Bíblico do Espírito Santo e sua Operação na Vida da Igreja. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2018.
Que Deus o(a) abençoe.
Lidiane Santos
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