EBD| Refugiados: um problema da atualidade?
INTRODUÇÃO
I – O CONCEITO DE REFUGIADOS
II – O POVO DE ISRAEL COMO PEREGRINO EM TERRA ESTRANGEIRA
III – OS REFUGIADOS NA EUROPA E NO BRASIL
IV – OS REFUGIADOS E A IGREJA
CONCLUSÃO
Professor(a), a lição deste domingo tem como objetivo central ajudar os jovens a refletirem a respeito da postura da Igreja em relação ao refugiados. Para ajudá-lo(a) na sua reflexão, leia o subsídio abaixo:
“Primeiramente, devemos estabelecer o conceito de refugiado. De acordo com a Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados, são refugiados as pessoas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possa (ou não queira) voltar para casa. Posteriormente, conforme a ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), definições mais amplas passaram a considerar como refugiados as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos.
Refugiados, portanto, não são meros migrantes. Enquanto o refugiado abandona o seu país por causa de perseguição ou fundado temor, migrantes escolhem se deslocar em busca de melhores condições de vida, trabalho e educação. A ACNUR afirma que: “[…] para os governos, estas distinções são importantes. Os países tratam os migrantes de acordo com sua própria legislação e procedimentos em matéria de imigração, enquanto tratam os refugiados aplicando normas sobre refúgio e a proteção dos refugiados — definidas tanto em leis nacionais como no direito internacional”1 .
Embora o conceito de refugiado seja mais abrangente que migrante, a reflexão sobre a proteção bíblica dada ao estrangeiro é um importante ponto de partida para a análise da concepção cristã. Afinal, se Deus se importa com o estrangeiro, simplesmente por este encontrar-se distante da sua terra natal, seja qual for o motivo, quanto mais pelo refugiado — o estrangeiro que fugiu de seu país por causa de perseguição.
O POVO DE ISRAEL COMO PEREGRINO EM TERRA ESTRANGEIRA
Israel é o melhor exemplo bíblico de povo que viveu em terras estrangeiras. Jacó e sua família foram para o Egito2 numa época de extrema escassez, quando José ainda era vivo e governava aquela nação (Gn 46). Mais de duzentos anos após a morte de José e de seus irmãos, assumiu o trono egípcio um faraó que desconhecia os feitos do primeiro-ministro hebreu que havia livrado o Egito de uma grande fome (Êx 1.8).
Nesta época, os israelitas eram férteis e numerosos, enchendo aquele país. Receosos com o crescimento significativo desse povo estrangeiro, os egípcios passaram a subjugar os israelitas, colocando-os em trabalhos forçados na edificação de cidades, na agricultura e em outros serviços opressores (Êx 1.11—14). R. K. Harrison nos informa que a escravidão dos hebreus atingiu seu período mais crítico na construção em Pitom e Ramessés, sob o governo de Seti I e Ramsés II 3. O açoitamento era uma prática comum entre os egípcios. Segundo Harrison, “os espancamentos que os hebreus suportavam acrescentam um toque desafortunadamente autêntico à situação, pois este era o procedimento padrão na vida egípcia antiga para o encorajamento do progresso em qualquer tipo de trabalho”.
Ao explicar este contexto, Mark Dever observou com perspicácia que “o nacionalismo e a xenofobia, com frequência, levam a atitudes desagradáveis e feias, principalmente quando a população se sente ameaçada ou até subjugada pelo crescimento de uma minoria 4. Por mais numerosos que possam ser, estrangeiros são sempre vulneráveis, porquanto não detêm poder político e legal de uma dada nação.
O Egito, portanto, não era local de refúgio, mas de opressão e trabalho penoso. Segundo Victor Hamilton, a submissão dos hebreus a esse tipo de trabalho tinha a intenção de “desmoralizá-los, convencê-los de sua posição de escravos e reduzir ao máximo qualquer possibilidade de insurreição” 5.
Deus manda Israel proteger o estrangeiro
Por esse motivo, sempre que Deus exortava a nação israelita sobre a necessidade de proteção e cuidado ao estrangeiro, recordava do período tenebroso que eles experimentaram no Egito. Ao trazer-lhes à lembrança o período de peregrinação, o Senhor queria que eles se colocassem no lugar do estrangeiro, com empatia, a fim de entender as suas dificuldades.
Os gentios não podiam ser explorados ou maltratados, e a Lei lhes assegurava uma vida digna. O estatuto divino para o estrangeiro previa vários dispositivos de proteção, começando pela necessidade de não os oprimir e amá-los (Êx 23.9; Lv 19.33,34). A Lei permitia a colheita remanescente aos estrangeiros (lei da respiga), juntamente com órgãos e viúvas (Dt 24.19-22), e também a isonomia com os hebreus (Êx 12.49). Em um tempo em que os estrangeiros eram considerados inimigos, Deus instrui seu povo ao acolhimento e cuidado, agindo com compaixão. Afinal, de acordo com salmista, o Senhor guarda o peregrino (Sl 146.9).
Ao mesmo tempo, os profetas do Antigo Testamento vaticinaram contra a discriminação ao estrangeiro, como é o caso de Isaías (Is 56.3-6). Jeremias diz: “Se não oprimirdes o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, nem derramardes sangue inocente neste lugar, nem andardes após outros deuses para vosso próprio mal, eu vos farei habitar neste lugar, na terra que dei a vossos pais, de século em século” (Jr 7.6,7). Zacarias e Malaquias, igualmente, bradaram contra a opressão aos estrangeiros (Zc 7.10; Ml 3.5).
Isso nos leva diretamente à seguinte pergunta: Qual a razão para Deus se preocupar tanto com o estrangeiro?
Tal se deve à fragilidade social e psicológica daqueles que se encontram nessa situação, motivo porque a proteção a esse grupo é uma maneira de se fazer justiça. Se justiça, como vimos no capítulo anterior, envolve o cuidado com os vulneráveis, então isso também se aplica aos estrangeiros. Ao longo das Escrituras vemos Deus defendendo o quarteto da vulnerabilidade 6: órfãos, pobres, viúvas e estrangeiros (Zc 7.9,10). Timothy Keller afiança que nas sociedades agrárias pré-modernas, esses quatro grupos não detinham poder social. “Mal tinham o que comer e, se houvesse fome na terra, invasão ou até mesmo distúrbio social, morreriam em questão de dias”7 . Hoje, prossegue Keller, “esse quarteto abrangeria refugiados, trabalhadores imigrantes, os sem-teto, e os muito idosos e pais/mães que cuidam sozinhos dos filhos” 8.
Viver longe do lar e tendo de enfrentar barreiras geográficas, culturais, sociais, linguísticas, ao tempo em que sofre discriminação e preconceito étnico, inegavelmente é uma situação que evoca cuidados especiais.
OS REFUGIADOS NA EUROPA E NO BRASIL
Reportagem da Folha de S. Paulo 9, de 21 de fevereiro de 2017, noticiou que setenta e quatro corpos de migrantes foram levados pela maré até uma praia na costa da Líbia. Eram todos adultos, em sua maioria homens vindos de países da África Subsariana, tentando atravessar o Pacífico em busca de asilo na Europa. Tal notícia é apenas um pequeno retrato da crise contemporânea de refugiados, a maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial.
Em várias partes do mundo milhares de pessoas fogem de seus países em busca de abrigo em outras nações, com famílias inteiras deixando seus lares e arriscando suas vidas em viagens e travessias perigosas, a pé ou pelos mares. Os números são alarmantes. O Relatório “Tendências Globais” elaborado em 2015 pela ACNUR/ONU10 apontou um total de 65,3 milhões de pessoas deslocadas por guerras e conflitos até o final daquele ano. Do total de 65,3 milhões, 12,4 milhões são novos deslocados por conflitos e perseguições apenas em 2015. Esse conjunto se divide entre 8,6 milhões de pessoas forçadas a abandonar seus lares e a mudar-se para outros lugares de seu país e 1,8 milhões que tiveram de cruzar as fronteiras. O universo de 65,3 milhões inclui 21,3 milhões de refugiados ao redor do mundo, 3,2 milhões de solicitantes de refúgio e 40,8 milhões deslocados que continuam dentro de seus países.
De acordo com o relatório, com o aumento de 2,6 milhões de casos apenas em 2015, na comparação com os dados de 2004, é possível concluir que o mundo assiste a um recorde de deslocados internos. Entre os países analisados pelo relatório “Tendências Globais”, alguns se destacam por serem a principal origem de refugiados no mundo. A Síria (com 4,9 milhões de refugiados), o Afeganistão (com 2,7 milhões) e a Somália (com 1,1 milhão) totalizam mais da metade dos refugiados sob o mandato do ACNUR. Os países com maior número de deslocados internos são a Colômbia (6,9 milhões), a Síria (6,6 milhões) e o Iraque (4,4 milhões). O Iêmen, em 2015, foi o país que mais registrou novos deslocados internos — 2,5 milhões de pessoas ou 9% de sua população.
Refugiados na Europa
O continente europeu é uma das regiões mais afetadas pela crise de refugiados. Tal se deve ao crescente número de migrantes que chegam às suas fronteiras em busca de abrigo, oriundas, em sua maioria, do Oriente Médio e da África, especialmente em decorrência do terrorismo islâmico que impera nestas regiões, como é o caso da Síria (Estado Islâmico), Afeganistão (Taliban), Somália (milícia islâmica Al-Shabaab, filiada à Al-Qaeda) e Nigéria (Boko Haram).
Na Síria, logo após o advento da Primavera Árabe no final de 2010 — uma onda revolucionária de manifestações e protestos que abalou o Oriente Médio e o norte da África, desencadeou em março do ano seguinte a guerra civil entre o governo de Bashar al-Assad e os grupos insurgentes Exército Livre da Síria e a frente al-Nusra, ligada à Al-Qaeda. O Estado Islâmico aproveitou-se da ocasião para ocupar território e intensificar ainda mais a brutalidade e a sanguinolência.
A guerra desencadeou a saída em massa do povo sírio em busca de refúgio em países vizinhos. A ONU estima que a guerra tenha deixado cerca de 400 mil mortos e provocado um êxodo de mais de 4,8 milhões de pessoas do país — a maioria mulheres e crianças, colocando sob pressão os países vizinhos — Líbano, Jordânia e Turquia.
No Afeganistão, o grupo terrorista islâmico Taliban tenta recuperar seu poder perdido desde a ocupação militar norte-americana, após os atentados de 11 de setembro de 2001.
Em 2015, um total de 3.545 civis morreram e 7.457 ficaram feridos no Afeganistão por causa da guerra 11. Diante desse quadro, muitos afegãos partem em busca de refúgio na Europa.
Com efeito, na tentativa de atravessar os oceanos e chegarem à Europa, famílias inteiras arriscam suas vidas em viagens a bordo de embarcações clandestinas. Muitos não completam o percurso. Outros tantos desaparecem. Enquanto isso, as nações europeias ainda não sabem como lidar com a crise migratória de refugiados.
Refugiados no Brasil
O Brasil também recebe refugiados do mundo todo. Segundo estatísticas, o número total de solicitações de refúgio aumentou mais de 2.868% entre 2010 e 2015. Entre as principais causas dos pedidos de refúgio estão a violação de direitos humanos, perseguições políticas, reencontro de famílias e perseguição religiosa. A grande maioria dessas pessoas advém da África, Ásia (inclusive Oriente Médio) e do Caribe.
De acordo com o CONARE (Comitê Nacional para Refugiados), o Brasil possuía em 2016 mais de 8.863 refugiados reconhecidos, de 79 nacionalidades distintas (28,2% deles são mulheres) — incluindo refugiados reassentados. Os principais grupos são compostos por nacionais da Síria (2.298), Angola (1.420), Colômbia (1.100), República Democrática do Congo (968) e Palestina (376) 12.
Conclusão
Enquanto arauto da justiça, a igreja também pode agir estrategicamente no enfretamento desse problema social, alçando sua voz profética para que o assunto seja devidamente tratado pelo poder público. David Platt 13 recorda, com efeito, que “temos diante de Deus, como cidadãos de um governo, a responsabilidade de trabalhar juntos para criar e aplicar leis justas aos imigrantes”. Em suas palavras, “entre outras coisas, tais leis exigem a segurança de nossas fronteiras, a responsabilidade de nossos donos de empresas por práticas de contratação e a adoção de medidas essenciais que garantam aos contribuintes do país um tratamento justo no que se refere ao pagamento de impostos”. Assim, prossegue Platt, “como cidadãos de um país, temos a responsabilidade perante Deus de trabalhar juntos para refutar e pôr fim a leis injustas que oprimem os imigrantes”.
Igualmente, a comunidade cristã pode contribuir para a ajuda dos refugiados mediante o apoio a organizações sérias que trabalham nessa causa, inclusive levantar recursos para a ajuda humanitária. No Brasil, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure)14 tem desenvolvido um trabalho de relevância pública, com ações que visam à proteção aos refugiados e a promoção da ajuda humanitária. A entidade ajudou a fundar no Brasil a Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária — FPMRAH. A primeira contribuição da organização foi intermediar a vinda para o Brasil de uma família de paquistaneses, cujo chefe de família havia sido condenado à morte sob acusação de ter desrespeitado o alcorão e ser encaixado na lei de blasfêmia do Paquistão, pela qual nem mesmo o governo local poderia ajudar a livrá-lo da pena de morte.
A questão dos refugiados é um tema atual e complexo. Não obstante, considerando que o Senhor é um alto refúgio para o oprimido (Sl 9.9), a comunidade cristã deve ser uma comunidade de refúgio para os estrangeiros perseguidos. Sem desconsiderar os aspectos que envolvem a segurança nacional e a política migratória, aos cristãos cabe, do ponto de vista prático, dar acolhimento àqueles que precisam de proteção.
*Este subsídio foi adaptado de NASCIMENTO, Valmir. Seguidores de Cristo: Testemunhando numa Sociedade em Ruínas. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, pp. 63-73.
Que Deus o(a) abençoe.
Telma Bueno
Editora Responsável pela Revista Lições Bíblicas Jovens
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Lidiane Santos
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